por Caio Lobianco - parceiro Wish

O suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens (de 10 a 19 anos) em todo o mundo, ficando atrás apenas dos acidentes de trânsito. No Brasil, pesquisas apontam um aumento de 55% na taxa de suicídios de jovens entre 2008 e 2017.
Por isso, é preciso analisar o papel das escolas e educadores na prevenção ao suicídio juvenil e, principalmente, as ideologias por trás das pesquisas convencionais sobre o suicídio de adolescentes. Afinal, são elas que embasam as decisões dos gestores escolares e professores no tocante às estratégias de prevenção.

Atualmente, a maioria das pesquisas que embasam os currículos escolares de prevenção ao suicídio pertencem ao campo biomédico, promovendo uma correlação entre o suicídio de adolescentes e a existência de certos transtornos mentais.
Contudo, essa linha de pesquisa, que se tornou um imperativo cultural, subvalorizou continuamente outras perspectivas, como a sociológica e a psicanalítica, em favor de uma suposta e questionável objetividade – que desconsidera tudo o que não pode ser medido nem controlado, ou seja, precisamente o que se refere ao sujeito e à sua subjetividade.
Isso culminou em várias diretrizes escolares de prevenção que se concentram na identificação, a qualquer custo, de estudantes considerados "em risco"; para o suicídio, incluindo o uso de testes para triagem de suicidalidade entre os jovens.
Trata-se de uma abordagem reducionista ao suicídio e que pode resultar consequências graves para os alunos, incluindo:
- (a) um maior foco na ideia de uma norma existente, patologizando comportamentos e marginalizando ainda mais os alunos que já são muitas vezes excluídos do sistema de ensino;
- (b) uma maior vigilância e, eventualmente, medicalização desses alunos e comportamentos;
- (c) um apagamento do sujeito e do seu sofrimento, desconsiderando o seu discurso e contexto social;
- (d) uma desresponsabilização coletiva pelos suicídios dos jovens, concebendo-o sobretudo como um problema médico.
Quando o suicídio é concebido pelas escolas como algo completamente anormal, que acontece a partir da insanidade, os alunos que são identificados como "suicidas"; também são potencialmente considerados (e tratados) como anormais.
Por outro lado, se as escolas reconhecessem o suicídio como um problema social e constituinte do sujeito, talvez uma abordagem diferente seja possível. Com isso, não pretendo invalidar a existência de problemas mentais e a importância dos medicamentos, mas problematizar o que está em jogo quando o suicídio juvenil é reduzido a uma preocupação médica.
Para criar uma abordagem de prevenção ao suicídio mais inclusiva e crítica, deve haver uma melhor integração entre a pesquisa convencional e as perspectivas psicanalítica e sociológica.
Essas perspectivas oferecem contribuições importantes para a área. Elas colocam o suicídio como uma responsabilidade coletiva, questionando a ideia de uma distinção nítida entre a normalidade e a anormalidade, e conceituando-o como um produto de forças – internas e externas ao sujeito – que não podem ser abordadas isoladamente.
Também enfatizam (nesse caso, principalmente a Psicanálise) que o suicídio é uma forma de encenação de uma fala que já não pode mais ser escutada. Ele denota uma dificuldade na relação com o Outro. Ele indica o esforço dos adolescentes para encontrar um lugar onde possam existir.
É urgente que exista uma mudança de uma abordagem que se concentra na identificação, detecção e triagem dos alunos "em risco"; para um esforço de prevenção que vise à criação de espaços onde os alunos possam comunicar seu sofrimento, o que pode ser precisamente representado pelos comportamentos tão frequentemente considerados como disruptivos, indesejados ou desviantes.
Espaços em que os adultos estejam dispostos a escutar esses alunos e olhar para esses comportamentos. O que acontece hoje é que ninguém é responsável por esses comportamentos: nem o adolescente, por não conseguir reconhecer o que manifesta; nem o adulto, que observa sem realmente entendê-lo.
Se os alunos estão muitas vezes expressando ideação suicida antes de uma tentativa real, a prevenção é possível. No entanto, em vez de procurar por "transtornos" e "doenças", as escolas deveriam estar reconsiderando o seu papel na escuta do sofrimento. Definitivamente, ouvir o que está sendo comunicado não é a tarefa mais fácil.
Certamente seria mais conveniente implementar uma triagem que pudesse detectar estudantes "suicidas", juntamente com uma medicação milagrosa que pudesse eliminar pensamentos e impulsos nesse sentido. Os seres humanos, porém, são muito mais complexos. Se fosse tão simples, já teríamos alcançado resultados melhores.
Caio Lo Bianco é idealizador e diretor do LIV – Laboratório Inteligência de Vida, programa que desenvolve competências socioemocionais nas escolas. Formado em Economia pela FGV e Arte-Educação pelo Arte Ação Brasil, Caio também é professor, mestre em Educação pela Universidade de Columbia, em Nova York, e pós-graduado em processos educacionais de Reggio Emilia.
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