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Valor, propósito e o tempo

Assistindo a um documentário esses dias, caiu uma ficha pra mim do porquê alguns serviços terem ficado problemáticos durante a quarentena.


O entrevistado explica que, antes da revolução industrial, as pessoas produziam VALOR. Alguém ia lá, produzia um sapato e trocava ou vendia para alguém que reconhecia o valor daquele produto.



Já com o advento das fábricas e suas impessoais linhas de montagem, cada pessoa colocava um prego na sola do sapato. Já não se sabe mais com que cara esse sapato vai ficar. Perde-se a noção do porquê se faz o que se faz o dia todo, sem parar.


Nesse contexto, o relógio passa a ser o controlador dos valores (Valores com V maiúsculo; sim, maiúsculo) que, como já não mais existem, são convertidos em horas (valores com v minúsculo). Sem o Valor do sapato, o que me resta vender é a quantidade de pregos que consigo colocar em solas por minuto.


O sinal toca. Eu prego pregos. Quanto mais por minuto, melhor. Já não sei mais por que. Toca o sinal. Pego o valor negociado pela minha hora. Já não sei nada desse sapato. Nada de mim no sapato. Nada do sapato em mim.


Hoje, falamos de um mundo novo. Há gente se arriscando a dizer que teremos um “novo normal”. Teremos?


Uma das principais críticas à escola do século 21 é que ela ainda se organiza e opera à semelhança das fábricas do século 19: sinal toca. Eu copio textos. Memorizo informações. Geografia. Toca o sinal. Outro prego/livro. Mais atividades mecânicas. Quanto mais por minuto, melhor. Já não sei mais por que. Toca o sinal. Saio. As coisas que me interessam não tem Valor nessa linha de montagem. Nada de mim na escola. Nada da escola em mim.


Quando as escolas foram obrigadas a adotar o ensino remoto, a primeira coisa que a maioria delas se preocupou em fazer foi garantir as mesmas horas. Os alunos começam às 7 horas (alguns uniformizados). Aula de matemática. Pausa - como toca o sinal em casa? - Aula de história. Pausa - quando está em casa também é preciso pedir para ir ao banheiro? - Aula de ciências. Se não for assim, podem perder o ano - mas o que isso significa?

Como falar de um “novo normal” se nesta gigante oportunidade - criada, SIM, por provavelmente um dos momentos mais difíceis da história dos nossos tempos - estamos ainda contando horas? Como falar de um “novo normal”? Como queremos jovens pensantes, críticos, inovadores se não damos a eles a chance de sequer vislumbrarem um sapato, quanto mais criar o próprio sapato? Ainda falamos de horas, de pregos e, pior, de pregos por minuto.


Quando o valor que damos aos jovens e à educação deles ainda é contado em horas, onde fica o VALOR?


Andressa Lutiano

Especialista em Inovação e Educação Transformadora

Sócia-fundadora Wish School


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