Esse pequeno texto é um convite à reflexão sobre a pergunta: é preciso ter tempo livre na escola?
Parece paradoxal que na escola deveria haver tempo livre. Afirmamos sempre que a finalidade da escola é equipar os estudantes - crianças, adolescentes e jovens-, com a caixa de ferramentas para “encontrar o seu lugar na sociedade”, nas palavras de Masschelein e Simons.1
Nesse sentido deveríamos “ocupar” o tempo da melhor maneira possível? A resposta é sim. Mas, com quais cuidados, sob quais pontos de vista, nos referimos a “ocupar” o tempo?
Muitas vezes, nós educadores e educadoras, compreendemos a finalidade, a função social da escola, como uma excessiva oferta e variedade de aulas, materializadas em temas e tempos destinados à fala dos adultos aos estudantes, preenchendo totalmente o tempo escolar com o que consideramos importante e com inúmeras tarefas e avaliações, na maioria das vezes dirigidas por nós. Simultaneamente a essas práticas, afirmamos o compromisso institucional com a construção da autonomia e da cidadania dos estudantes.
Um outro fato comum é ouvir dos estudantes o quanto se sentem entediados quando não tem o que fazer. As crianças e adolescentes já incorporaram o tédio em seus léxicos e manifestam a necessidade de estarem sempre ocupados, geralmente com algo que dirija a sua atenção.
Mas então, sobre o que se trata o tempo livre na escola? Sobre o não fazer nada? Sobre ter opções a escolher? Sobre não ter muitas aulas, tarefas e avaliações?
A reflexão sobre o tempo livre na escola refere-se a um outro modo de pensar a relação de ensinar e aprender na escola, nem sempre centrado nas escolhas dos adultos.
Refere-se ao tempo para pensar e fazer perguntas, para surpreender-se, estranhar, indignar-se, investigar e maravilhar-se, ainda que individualmente.
Tempo para contemplar, para voltar se para as suas questões, para o silêncio, para o legítimo diálogo com o outro, o tempo para a escuta. Tempo para espessar a experiência.
Mudar parte das práticas escolares, suspender a pressa, criar oportunidades para que o estudante se conecte com os seus saberes, identifique sentimentos, reflita sobre seu lugar no coletivo, sua história e identidade podem ser começos de um “tempo livre” na escola.
Por meio da literatura, da arte, do corpo e movimento, e de outras linguagens, podemos oferecer excelentes possibilidades de experiências nesse “tempo livre”.
A proposta é desacelerarmos a escola de hoje, deixando algum “tempo livre” para que as crianças e adolescentes entrem em contato com esse “tédio”, esse sentimento de vazio que os ocupam quando não estão em atividades e não sabem como lidar.
Esse “novo tempo” também deve ser construído, metabolizado. A escola, como lugar social, lócus educador por intencionalidade, é o lugar da convivência, do coletivo e do contraditório e também o lugar da cidadania em ação.
É também nesse social que reconhecemos as nossas singularidades e construímos nossa autonomia, nas relações que estabelecemos. É a escola o lugar privilegiado para equiparmos as crianças, adolescentes e jovens com a caixa de ferramentas do viver ético, estético e político.
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1
MASSCHELEIN, Jan. SIMONS, Marteen. Em defesa da escola. Autêntica Editora. Belo Horizonte e São Paulo. 2013 p.25
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