Crescer dói, em todos os sentidos e em diferentes fases da vida e do desenvolvimento
Quando Fernando tinha 10 anos, queixava-se dia e noite de dores no joelho, que não melhoravam com nenhuma iniciativa caseira conhecida pela mãe. Houve noites que Fernando passou chorando de dor, sem conseguir dormir. A mãe dele só ficou preocupada mesmo depois de uma segunda noite de choro do filho e, então, decidiu levá-lo ao médico. Não pensou em procurar ajuda profissional antes porque achava que o filho reclamava muito de qualquer bobagem.
Do médico, saiu aliviada da segunda consulta em que levara resultados de exames, por ter sabido que não era nada grave ou sério; segundo o profissional, Fernando estava passando pelo estirão do crescimento, que apresentava como consequência as tais dores.
Quando Fernando tinha entre 14 e 15 anos, tornou-se extremamente tímido. Não fazia amizade, não recebia telefonemas dos colegas de escola e preferia ficar jogando videogame a sair. Não tinha turma e dizia ter vergonha de tudo o que dissesse a respeito dele mesmo. Nessa idade, não gostava de tomar banho e isso era causa de muitas brigas em casa.
Seu rendimento escolar baixou um pouco, nada preocupante. Mesmo assim, a mãe foi chamada à escola para conversar com a coordenadora. Dela, ouviu que deveria procurar um psicólogo para tratar a timidez de Fernando. Mesmo relutante, ela procurou.
Depois de algumas sessões, ouviu do psicólogo que ele estava sofrendo com as mudanças do corpo e, por isso, evitava o convívio social: por causa de sua aparência. O psicólogo informou também que Fernando não queria continuar as sessões, mas que a mãe deveria se tranquilizar porque essa fase poderia passar.
E passou. Aos 16 anos, perto dos 17, Fernando desabrochou: perdeu a timidez excessiva, arrumou amigos e amigas, passou a gostar de sair com a turma e a preferir as redes sociais ao videogame. Ficou vaidoso e cuidava bem de seu corpo.
Hoje, Fernando tem 19 anos e disse à mãe que precisa de um psiquiatra porque está sofrendo muito por estar distanciado de todos da turma, por não poder ir em festas, por não poder sair de dentro de casa.
Os pais de Fernando estão trabalhando de casa e a faculdade que ele frequenta não tem planos, até agora, de retornar com aulas presenciais este ano. São só os três, todo dia, dia e noite. Fernando sofreu aos 10 anos, depois aos 14, e sofre agora, aos 19. É: crescer dói, em todos os sentidos e em diferentes fases da vida e do desenvolvimento.
O bebê sofre, por exemplo, para deixar os seios na amamentação, para deixar a cama ou o quarto dos pais na hora de dormir, para tirar as fraldas ao aprender a usar o banheiro. As reações de cada criança são diferentes, mas elas expressam as dores do crescimento.
Entre os 4 e 6 anos, mais ou menos, as crianças ficam dolorosamente afetadas com o crescimento que, imaginam, irá afastá-las dos pais: têm pesadelos, mudam o comportamento, tornam-se manhosas e ciumentas se há irmãos mais novos em casa. Estão sofrendo porque estão crescendo, despedindo-se da primeira infância. É o ciclo da vida: crescer sempre, mesmo com as dores que isso provoca.
Agora, estamos todos com as dores da pandemia e, quem pode estar em casa, também com as do isolamento físico: crianças, jovens e adultos.
As dores atuais afetam principalmente os jovens, como Fernando, que precisam fazer uma escolha que é um dilema. Precisam escolher entre seguir a vida como se nada de diferente estivesse acontecendo – essa é uma ideia infantil que recusa a avaliação de riscos da realidade – e a de ficar distanciado e arcar com o sofrimento da reclusão.
Como dá para perceber, não há uma boa saída, não é? E são as dores de perceber isso e as das consequentes renúncias que estão, no momento, afetando tanto Fernando como muitos outros adolescentes e jovens. É difícil, no contexto social e cultural em que vivemos há algumas décadas, renunciar. E é mais difícil, ainda, para os mais jovens que aprenderam a querer tudo ao mesmo tempo, agora. Pois, agora, eles sentem que estão impedidos de querer.
Já perderam tanto no caminho que os trouxe até a etapa em que estão: perderam o corpo infantil cuidado por um adulto, em geral a mãe, mas não só ela, e perderam os pais heróis que eram responsáveis por sua vida e tudo resolviam. Agora, é com eles, e isso dói.
Todos os sofrimentos aqui mencionados são inevitáveis: fazem parte da vida, do desenvolvimento, da busca da maturidade. Eles são doloridos, mas provocam algo de positivo, que é justamente o crescimento. E o destino dos mais novos é crescer sempre!
Muitos de nós sofremos dores inúteis, mas, neste momento, as dores são inevitáveis. Para todos. Com apoio mútuo, cuidado, empatia e resiliência, conseguiremos passar por essa fase tão dolorida! Crianças e jovens também, mesmo que com auxílio profissional, se for o caso. Como é o do Fernando, que pediu ajuda e a mãe irá atender.
Rosely Sayão, O Estado de S.Paulo
26 de julho de 2020 | 05h00
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