“O que habitualmente se chama “crise de autoridade” é, na realidade, uma “crise de futuro”: não podemos conseguir que nos obedeçam porque não sabemos em nome de que exigir obediência.”
Philipe Meirieu
Quem me conhece sabe que há muito tempo combato as comemorações do Dia do Professor. Sempre argumentei que deveríamos trocar um dia de homenagens por um ano de respeito.
Porém, neste estranho ano de 2020 – que estamos vivendo em meio a tantas perplexidades –, vale a pena homenagear aqueles que estão salvando as escolas: os professores /as. Também vale aproveitar este clima de parabéns para tentar reconectá-los com aquilo que é realmente relevante na nossa profissão.
Se já era complicado exercer a autoridade docente antes da pandemia, com as aulas remotas, ou produção de materiais impressos, com alunos exaustos das telas e outros abandonados pela escola, exercer a autoridade em tempos de isolamento se tornou um desafio imensurável. Não está sendo fácil ser professor/a neste estranho ano.
E nem sequer temos tempo de pensar no assunto, já que a vida virou de ponta-cabeça, um corre-corre sem sair do lugar, com um planejamento escolar que não se aplica, com a busca por resultados que não sabemos como encontrar e, acima de tudo, quando perdemos nosso habitat, aquele ambiente físico em que vive o professor: a escola.
Em tempos difíceis como os que estamos vivendo, os professores/as provaram que lutam de verdade, qualquer que seja o contexto. Tenho conhecido professores que inventaram aulas virtuais, como nunca imaginaram que podiam. Tiveram que aprender o que faz sentido ensinar pelas telas ou por papel impresso. Erraram também, mas puderam entender que o erro é necessário para quem está aprendendo e fazendo algo pela primeira vez.
Com tanta experiência vivida, fico aqui desejando que façam a metacognição a respeito do valor do erro como algo necessário na sua relação com os alunos e para que passem a entender que crianças e jovens não são resultados, mas pessoas que estão aprendendo. E, para que isso ocorra de verdade, é preciso errar.
Sem erro, não há educação.
Constatei pelo Brasil afora – viajando não mais por avião, mas pelo computador – que os professores /as estão aprendendo que produzir de forma colaborativa é o melhor caminho para avançarem coletivamente. Os docentes passaram a trocar experiências, aprender com seus pares, socializaram suas descobertas, não para ganhar prêmios, mas por entenderem que juntos são mais fortes e vitórias individuais não geram transformações coletivas na escola.
Mas tem sido também um tempo de frustração para muitos professores/as, em função dos alunos não apresentarem os resultados esperados ou porque muitos não conseguiram manter contato com todos os alunos. Muitos se perderam do radar da escola.
No primeiro caso, está sendo uma grande oportunidade de os professores/as aprenderem que os alunos não são o que queremos que sejam. Os estudantes têm uma realidade para além da escola e nenhum professor/a tem domínio sobre isso. Foi preciso um pouco de humildade e generosidade para entender essa dura realidade e aprender a aceitar essa verdade.
Por outro lado, para aqueles professores/as que não conseguiram manter contato com todos seus alunos, a frustração não pode gerar um comodismo e aceitação de algo inadmissível, porque sabemos que são juntamente os mais vulneráveis que estão sofrendo por este abandono. Tal frustração tem que virar indignação ativa para lutar contra uma naturalização excludente e que nós como professores/as não podemos aceitar. Porque é injusto.
A pandemia tem ensinado também que a escola não é só prédio. Ela fechou, mas seguiu para a casa dos alunos – que não virou escola, diga-se.
Nem os pais conseguem substituir os professores/as. Então aprendemos que a escola é fundamental para a vida dos estudantes e para o país. Ela é o espaço mais democrático e plural de acessar os conhecimentos relevantes, que
ajudam os mais jovens a conhecer o passado que não viveram, entender o presente e sonhar com o futuro.
Portanto, escola, não serve para passar de ano ou se classificar numa boa universidade. A escola é o lugar de aprender a ser cidadão. Só a família não dá conta dessa complexa tarefa. É a escola que além de ensinar e aprender também socializa, cria um ambiente plural, intergeracional e democrático.
Então, se a escola é tão importante, por que os professores não assumem a autoridade que tem como especialistas do conhecimento para abrir um importante debate em cada cidade, afirmando que a educação não se restringe à escola e que cada cidade precisa cumprir seu papel educativo e proteger os mais jovens, não permitindo que nenhum aluno fique fora do radar da escola? Mesmo com os prédios fechados, todas as crianças e jovens precisam seguir estudando e as condições têm que ser oferecidas pelos adultos, em todos os setores sociais.
Por outro lado, é preciso assumir a sua autoridade para ensinar às famílias que o número de horas de estudos presenciais não podem ser comparados com o mesmo tempo de estudos remotos.
Os seres humanos aprendem de forma diversa, de acordo com o ambiente em que estão inseridos. Portanto, quando estão numa situação presencial e coletiva, é completamente diferente de uma outra em que estão sozinhos, estudando pelas telas tanto dos computadores ou celulares ou até mesmo com materiais impressos.
A situação de “hiperfoco” desta última forma gera uma exaustão maior do que numa situação de múltiplas interações presenciais. Quem pode falar sobre isso são os professores/as. Somos nós que estudamos aprendizagem.
Temos autoridade para assim fazê-lo porque somos intelectuais do conhecimento e não apenas técnicos e executores daquilo que especialistas determinam como relevante.
O que estou aqui defendendo não se trata de restaurar a autoridade. Mas assumir o que temos e nunca fizemos. Isso não é uma atitude individual, mas é coletiva. Os professores/as precisam se juntar, criar redes colaborativas para se fortalecerem e poderem lutar por justiça social que passa necessariamente pelo direito à educação de qualidade para todos e todas, como está garantido na Constituição Brasileira. Somos nós que estamos próximos dos estudantes que sabemos o que é melhor para eles e não o que a burocracia exige. Vamos fazer valer nossa autoridade.
Então, desta data comemorativa – 15 de outubro, Dia do Professor – desejo que os professores/as aprendam a pensar por si mesmos. O que não é uma tarefa simples, em função da força que pode ter e dos prejuízos também. Ficar na sombra sempre deu menos trabalho, mas não podemos mais nos furtar de assumir a relevância que a nossa profissão tem para sociedade.
Se não formos nós, rapidamente poderemos substituídos pela inteligência artificial. Porém, o que temos de humano e que nenhuma máquina substitui é a experiência que somos capazes de proporcionar aos alunos pela arte do encontro potente que fazemos com eles de forma presencial e a partir de um lugar chamado escola, porém não restrito a ela.
Considero que autoridade educativa se faz de forma coletiva, criando condições para essa relação, sem medo, a favor da ciência, da arte e da vida. Só assim seremos capazes viver e lutar no presente para que exista um futuro sonhado.
Porém, somente seremos capazes de assim proceder se tivermos tempo para refletir sobre tudo que estamos vivendo, pois o ativismo cego, nos desconecta com a vida e faz com que adoeçamos física e emocionalmente.
Então, nestes tempos tão confusos, com muitos desgastes que os professores estão vivendo, se assumirem que tem autoridade para debater aquilo que os afligem, para além do interior da escola, convocando a cidade e seus sujeitos, com certeza sairíamos da invisibilidade e mostraríamos a relevância da nossa função. Mas isso só é possível se reconhecermos que sim, temos autoridade para tal.
Tivemos que aprender coisas que nem imaginávamos ser capazes, além de experimentarmos trabalhar em um outro tempo, em que não há mais separação entre trabalho e casa. A pandemia do novo coronavirus misturou tudo em um único espaço: a casa.
Desse lugar que passamos a habitar temos que cuidar, trabalhar e descansar. O trabalho doméstico e o profissional passaram a ocupar a maior parte do nosso tempo, sem descanso possível. Depois de tantas horas sentadas, para quem passava a maior parte do tempo em pé, vieram para corroborar na já complicada vida, as dores físicas, que são muitas. Não tem sido fácil mesmo. Por tudo que vivemos, afirmo não vamos abrir mão da autoridade que temos!
Finalizo questionando os leitores: a educação deve seguir sendo uma atividade marginal na nossa sociedade, que só diz respeito à escola, estando a serviço de uma economia de mercado ou deve ser algo que rege toda a sociedade como o caminho para projetarmos o futuro?
E os professores: que espaço precisam ocupar na sociedade para saírem da invisibilidade imposta por essa sociedade?
Não há resposta pronta, nem receita a ser seguida. Só não podemos mais acreditar que o reconhecimento do nosso trabalho chegará de fora e para isso, basta esperar. Pois saibam, que assim, não chegará.
Como nos ensinou Geraldo Vandré[1], “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, vamos aproveitar a tal efeméride não para lamentar ou reclamar, mais para comemorar o Dia do Professor na luta pela mudança de paradigma social a respeito do valor da educação, da escola e dos professores/es.
Vamos assumir a autoridade educativa que temos para podermos protagonizar com coragem as mudanças que desejamos, em respeito a nós mesmos e aos alunos. A hora é agora e o futuro será aquele que cultivarmos hoje. Parabéns professores/as, sem o nosso trabalho, a sociedade não conseguirá avançar rumo à construção de um mundo mais justo e cuidadoso.
[1] Música “pra não dizer que não falei das flores”, Geraldo Vandré, 1968.
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