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Livros de artista como possibilidade de expressão e compreensão de mundos

Atualizado: 21 de mar. de 2023

por Fabiola Notari - parceiro Wish


Livro de artista é uma obra de arte em si, concebida integralmente em forma de livro. A leitura de um livro de artista não se encerra no deciframento de seu código, pois suas características não-verbais, como a materialidade, são tão relevantes quanto o texto escrito.


Grande parte dos artistas que trabalham com esta linguagem, em linhas gerais, associam este objeto – livro – ao lugar da memória, onde há a possibilidade de materializar lembranças, sensações e percepções.


Ao mesmo tempo é o espaço da exploração, no qual o íntimo/individual encontra-se com a imaginação por meio das técnicas artísticas.


O livro é um espaço portátil que habita mesas, gavetas, prateleiras, bolsas e mochilas.


Objeto leal na ação de registrar e guardar as impressões do tempo-espaço sobre nós. Enquanto adultos conscientes, os artistas dessa linguagem misturam técnicas na busca constante por suas poéticas, temas que os motivam a expressar-se.


O livro de artista tem como essência romper padrões de engessamento do pensamento, por isso que para muitos teóricos e críticos é uma categoria artística de difícil classificação.

“Criar significa poder compreender, e integrar o compreendido em novo nível de consciência. Significa condensar o novo entendimento em termos de linguagem. Significa introduzir novas ordenações, formas.” (OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Campinas: Editora Unicamp, 2013, p.271)

Ao conectarmos de maneira consciente e intuitiva forma e conteúdo na produção artística alcançamos um estado pleno de curiosidade, um olhar renovado sobre as coisas que estamos acostumados a perceber, rompendo, mesmo que momentaneamente, as automatizações dos sistemas.


Para mim, o livro de artista possibilita encontrar-me com a criança que um dia fui – ser extraordinário, dotado de capacidades e potencial para descobrir o mundo por si só.


As crianças por meio das relações estabelecidas constroem conhecimento, cultura e identidade. Assim, tornam-se protagonistas de seu aprendizado, pois através de sua curiosidade, experimentam o mundo.


Ao associar livros de artista à infância, trago para o diálogo o livro Das coisas nascem coisas de Bruno Munari.


Neste livro, publicado pela primeira vez em 1981, há dois capítulos específicos sobre o objeto livro – Um livro ilegível e Os pré-livros. Resumidamente, ambos os capítulos apresentam o livro como um objeto a ser experimentado por todos os sentidos, suas páginas, formato, cor e outros elementos – além da imagem e do texto impressos – são essenciais para a narrativa não estando subordinados à hierarquia do livro “das palavras”.

“Todos sabem que a criança gosta de ouvir a mesma história várias vezes, e cada vez vai fixando-a na memória, até que, quando adulta, pode chegar a decorar sua casa de campo com a Branca de Neve e os Sete Anões em cimento colorido. Assim destrói-se na criança a possibilidade de ter um pensamento elástico, pronto a modificar-se segundo a experiência e o conhecimento. É preciso, desde cedo, habituar o indivíduo a pensar, imaginar, fantasiar, ser criativo.” (MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2015, p.225)


O livro de artista nasce como objeto que faz colecionar, colocar em sequência – sobrepor e justapor – tempos e espaços, como se uma única imagem não fosse o suficiente. O livro, para mim é pré-cinema, logo, o livro de artista é a experimentação absoluta dos (des)limites do livro.


O livro de artista é uma linguagem artística livre que encontra na interdisciplinaridade com outras linguagens espaço para a criação de mundos. Introduzir a prática de livros de artista na infância – da construção à leitura – é apostar na surpresa – acontecimento imprevisto, repentino ou inesperado –, que fará, num futuro próximo, adultos capazes de receberem as surpresas da cultura com curiosidade e não com rejeição, percebendo que o novo é apenas um outro ponto de vista e não a negação do ponto de vista conhecido.


Fabiola Notari

É artista visual, pesquisadora e professora. Pós-doutora em Comunicação e Artes (LabCom/UBI), doutora em Letras (FFLCH/USP), mestre em Poéticas Visuais (FASM/ASM) e bacharel em Artes Visuais (FEBASP). De 2012 a 2020 lecionou no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Desde 2014 coordena o grupo de estudos 'Livros de artista, livros-objetos: entre vestígios e apagamentos' e em 2018 criou o Núcleo de Livros de Artista. É co-fundadora do Instituto Angelim, organização da sociedade civil que promove ações culturais para incentivar a equidade de gênero.

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